O que é felicidade para você?
Durante minha vida, me deparei com variações dessa questão e, não raro, as respostas giravam em torno de que não é possível ser 100% do tempo feliz. Interessante, no entanto, não é o conteúdo da resposta, mas o tom de justificativa, para si mesmo, em uma tentativa de convencimento de que é preciso aceitar tal realidade: você não será sempre feliz!
Quanto mais eu vivo – e observo as coisas que acontecem nesse tempo – mais me convenço de que realmente não é possível ser feliz o tempo todo. Pelo menos não do jeito que convencionamos tratar a felicidade, assumindo-a como um imperativo de existência, que precisa ser ostentado diariamente.
A necessidade de mostrar que estamos felizes pode ofuscar o brilho de viver a própria felicidade, transformando-a na busca por uma perfeição utópica e isto, minhas queridas leitoras, pode ser uma armadilha bem-feita de nossas mentes que, no lugar de nos aproximar, nos afasta da felicidade.
Então, a pergunta novamente: o que é felicidade para você?
Para Sonja Lyubomirsky[1], felicidade é a experiência das emoções positivas, como alegria, serenidade, contentamento ou bem-estar, combinado a uma sensação de que a vida é boa, significativa e valiosa, e que você está progredindo em direção aos seus sonhos.
Aristóteles, filósofo grego, nascido no ano de 384 a.C, falava que uma vida virtuosa (ele falava de virtudes) é a que se dá prática, no exercício das ações, pois é nas ações que é possível perceber as virtudes.
Richard Davidson[2] afirma que felicidade é uma habilidade. Sim, queridas leitoras, uma habilidade… que pode, portanto, ser desenvolvida. Claro que aqui, precisamos considerar que existem processos neuroquímicos envolvidos e nem tudo é SÓ uma questão de querer, pois tais processos podem, em algum momento bloquear ou impedir o funcionamento apropriado da “química da felicidade”. Neste caso, um suporte externo pode ser necessário.
O problema é que, o que deveria ser exceção, um suporte temporário, tem, cada vez mais, sido naturalizado e estabelecido como norma: somos uma sociedade dependente de medicamentos. O Brasil é um dos países líderes do consumo de antidepressivos e o argumento de que “ninguém é feliz do tempo todo” parece assumir um lugar de “não é possível ser feliz enquanto…” …”tenho um marido/esposa que age de tal maneira” ou, “não consigo comprar meu carro”, “não tenho saúde”, “não tenho minha casa própria”…
O medicamento ocupa um lugar no algoritmo da felicidade, reduzindo a matemática a um cálculo que envolve consultas periódicas para renovar a receita. A esta altura, você está pensando que este é um manifesto contra antidepressivos e que estou desconsiderando sua dor ou seu sofrimento e reduzindo-o a sua fraqueza. Mas, além de não ser esta minha intenção, alerto para que tenha o cuidado para não ser este o motivo para você parar de ler aqui e alegar que nada do que, cuidadosamente, escrevi nestas linhas, pode contribuir com sua jornada em direção à felicidade.
O medicamento pode ser importante, e necessário, mas ele deveria fazer parte de sua vida para sempre? Foi a falta dele que te levou para este lugar?
Convido você para usar as suas memórias, ou até quem sabe, aproveitar esse momento para praticar: direcione seu rosto para o sol e, se isto não for possível neste momento, busque na memória essa sensação. Sinta o calor do sol em sua face, perceba que, mesmo de olhos fechados, você percebe a luz. Agora, tente abrir os olhos e olhar diretamente para ele. Não, você não fará isso, porque você já aprendeu que não é possível olhar diretamente para o sol, especialmente sem proteção.
Pois bem, compreenda a felicidade como o sol: você percebe os componentes, mas nem sempre olha diretamente para ele. Se identificarmos os componentes da felicidade, talvez possamos usar essa matemática a nosso favor, pois, assim como aprendemos quais temperos dão mais sabor a um prato, podemos saber quais temperos dão mais sabor a uma vida.
A felicidade tem uma dimensão física: é onde está a neuroquímica, onde agem, por exemplo, os alimentos que ingerimos. Lembre daquele chocolate que você esconde para comer em um período específico do mês e me diga se um alimento pode ou não provocar ondas de bem (ou mal) estar.
O componente intelectual, também ligado ao físico, está relacionado ao que tem nossa atenção, ao que “engajamos” na vida e que nos provoca estímulo intelectual positivo.
O componente emocional, por sua vez o grande astro quando o assunto é sentir, não é, ao contrário do que possa parecer, o principal componente e sua combinação com os demais é que vai definir seu lugar nessa equação. Talvez, pelo excesso de preocupação e supervalorização desta dimensão, este seja o componente de ataque primário: rapidamente se busca anestesiar as emoções, de maneira que elas não provoquem danos, esquecendo que, no corpo físico, inclusive, cada emoção serve a um propósito.
Quando falamos em emoções, como componentes da fórmula da felicidade, o ajuste necessário precisa estar na maneira como lidamos com o que sentimos. O que fazemos diante da raiva, da frustração, da tristeza, da alegria, da sensação de vitória?
Como nutrimos nossas relações? O componente relacional se encaixa nos cálculos e diz respeito ao que construímos no campo exterior a nós mesmos, nas relações que estabelecemos com as pessoas que fazem parte de nossa vida. Uma pesquisa conduzida em Harvard, por 75 anos (exatamente isso que você leu: 75 anos) e ainda em andamento, tem mostrado que “bons relacionamentos nos mantém felizes e saudáveis”, ampliando nossa expectativa de vida, proporcionando boa memória, saúde física e vitalidade.
Epicuro, filósofo grego de 341 a.C também colocava as boas amizades em um lugar especial. Para o filósofo, a amizade só é possível àqueles que estão possibilitados de criar mediações e, para Epicuro, se “não podemos ver-nos, trocar ideias, nem estar em companhia um do outro, o sentimento de amor evaporar-se-á em pouco tempo” (EPICURO, 2006, p. 75), pois a “amizade dá a volta ao mundo, anunciando a todos que acordem para a suprema felicidade”, (p. 78).
E, finalmente, o componente espiritual, onde localizamos o sentido e o significado que damos para a vida.
A felicidade seria, nesta perspectiva, uma combinação de bem-estar: físico, espiritual, relacional, emocional e intelectual. Uma sensação de que a vida é boa e vale a pena ser vivida, combinada com a experiência da alegria. Pense: quais momentos da sua vida lhe permitem se sentir assim? O que você faz que te traz essa sensação?
Talvez você se conecte com momentos em que sente que seus desejos estão sendo atendidos. Talvez seja o momento do “sextou”, do chopinho com os amigos, da hora que você vai, finalmente, sentar na TV e assistir aquela série que começou no fim de semana passado. Mas, será que somente estes momentos podem levar volcê para esse lugar de bem-estar?
Convido você a novamente se conectar com momentos em que você sente que a vida vale a pena ser vivida, e experimenta a alegria, e que ela permanece, sem causar prejuízos à sua vida ou à sua saúde. E que você não precise, necessariamente, alimentar e em doses cada vez maiores, para manter a sensação.
Vou lhe dar um exemplo bem simples, talvez até óbvio, mas que acredito que ilustra bem o que pretendo despertar: uma pessoa com diagnóstico de diabetes precisa evitar alimentos com açúcar, mas, ela se sente muito bem quando come uma fatia de bolo de morangos (eu amo bolo de morango!). Naquele momento em que está comendo, ela experimenta alegria e a sensação de que a vida é muito boa! Porém, bastam alguns minutos para que as consequências da satisfação desse desejo se manifestem, e ela tenha que mobilizar esforços paliativos que podem incluir, por exemplo, medicação e até insulina.
Outro exemplo, que não sei você, mas já me custou boas horas de incômodo, é comer algo que você sabe que não vai digerir bem ou comer “além da conta”. Você sabe o que vem depois… sensação de peso, arrotos, gases, dor de cabeça são algumas das manifestações que podem nos tirar de uma festa, atrapalhar um passeio com a família, acabar com nosso bom humor.
Alguns efeitos podem não ser percebidos de imediato e se desenvolvem silenciosamente, manifestando-se, com o passar do tempo, mas, de todo modo, o futuro apresentará prejuízos resultantes da escolha. Vejamos então, uma nova pergunta: o que você faz hoje, que trazem prazer enquanto realiza e que te trarão benefícios no futuro?
Estamos vivendo o século da depressão, da ansiedade e do stress, valorizando, cada vez mais o TER e esquecendo-nos do SER. Até aí, você deve estar pensando, nenhuma novidade, afinal quem não está questionado esses valores do TER acima do SER? E, muito provavelmente – sigo arriscando – você está pensando em TER como sinônimo de consumo: ter uma casa, ter um carro.
Mas faço um novo convite para você e vamos dar um passo a mais: você já observou que utilizamos este verbo de posse para outros tipos de “bens”? TER saúde, TER paz interior, TER tempo… faça sua lista mental agora. Pare um pouquinho e pense: o que você está buscando TER? Agora, observe como a necessidade de TER, seja lá o que for, nos move para FAZER coisas. E, ocupamos nosso tempo – exatamente este que queremos TER – FAZENDO coisas e se autorreferenciando: tudo passa pelo EU. O que eu sei, o que eu faço, o que eu preciso fazer, nos levando à necessidade de sempre responder a algo mais, sejam demandas externas ou internas (ou que supomos internas, como nossos desejos). Na busca de maximizar o desempenho, fazer todas as coisas que precisamos fazer, perdemos de vista o caminho da real felicidade, não há tempo para ela. O tempo é ocupado com várias coisas que, supomos, nos trarão a felicidade.
Adoecemos porque acreditamos que algo precisa ser feito o tempo todo e confundimos o tempo de “fazer nada”, necessário à contemplação, que nos afasta do exagero do fazer, com o tempo para “assistir uma série”, por exemplo, o que seria muito mais uma distração do que “fazer nada”. E, na prática, o que isto significa? Enquanto estamos movidos a fazer algo, para ter alguma coisa, não temos tempo para dedicar às coisas que são realmente importantes. Agora, o que é realmente importante para você? Eu não posso responder isso, mas posso te fazer novas perguntas, feitas anteriormente por Martin Seligman e Christopher Peterson[3]:
- Imagine que lhe resta pouco tempo de vida. Você está deitado em seu leito de morte;
- Termine a frase: “Eu queria ter passado mais tempo…”
- Como você pode colocar isso em prática de maneira consciente amanhã?
E, afinal, o que a formação de memórias tem a ver com a felicidade? Se você acompanhou até aqui, respondeu para si mesma as perguntas, se conectou com os exemplos ou com os cenários propostos, você deve ter percebido que felicidade não é um ponto de chegada. É um estado que se constrói todos os dias, com as escolhas que fazemos: o que comemos, como nos relacionamos com as outras pessoas e conosco mesmos, com o que alimentamos nosso intelecto, como lidamos com nossas emoções, como cuidamos de nosso corpo, qual sentido damos para a vida.
Agora, para finalizar, feche seus olhos e responda para si mesma: desta leitura, o que é mais significativo para você?
[1] Sonja Lyubomirsky é professora, autora de livros como A Ciência da Felicidade e Os Mitos da Felicidade.
[2] Richard Davidson é cientista e, de suas pesquisas, é autor de livros como A Ciência da Meditação e O Estilo Emocional do Cérebro.
[3] Psicólogos, professores, autores da Psicologia Positiva.